segunda-feira, 10 de junho de 2013

A distopia (e o pessimismo) de Augusto dos Anjos

Vamos falar um pouco de literatura. Mais do que isso!, literatura brasileira, algo que está tão em baixa aos leitores de nosso próprio país. Sim, porque o Brasil lê, e você deveria pesquisar algo sobre para dizer que falta essa cultura ao nosso povo. Mas não entrarei no mérito.

Confesso que acho a literatura "obrigatória" para vestibulares federais e coisas do tipo um tanto enfadonha. Talvez seja porque são leituras obrigatórias; você não lê algo sem vontade de fazê-lo e acha-o legal, normalmente. Por isso, criei uma certa ressalva aos autores mais tradicionais, como Machado de Assis e Érico Veríssimo - embora tenha já feito uma releitura menos forçada e mais crítica, e subido o conceito especialmente deste. No gênero "fantástico", já citei Eduardo Spohr e sua incrível série de livros aqui no blog; reforço que são mesmo excelentes. 

Mas o que me causa impacto mesmo na literatura daqui são os poemas. Não, sério, eu sou apaixonado pela poesia nacional; mesmo não tendo talento para tal coisa, fascina-me a sutileza das críticas e da paixão emanada pelo poeta. Mas nenhum poeta chega próximo à veneração que eu tenho por Augusto dos Anjos, e para explicá-la precisarei de uma história. Tende, pois, paciência, leitor! Irei chegar ao foco da discussão, que é o próprio autor, mas o jeito que o conheci é curioso. 

Ora, eu cursava a quinta série, atual sexto ano, do ensino fundamental. Fazia-o num colégio ímpar, o Marista Santa Maria, e lá lecionava determinado professor (de História) chamado Everson Caleff. Meu caro professor, se o sr. por ventura e eventualmente ler esta postagem, gostaria que compreendesse a transformação que ocasionou na vida de um aluno de "tanto" tempo atrás. 

O que passou-se foi o seguinte.

As aulas de História eram, pelo gênero da matéria, pontuadas por breves particularidades do professor. Lembro-me dele falando dos códigos "de honra" para espartanos e atenienses (enquanto de pé numa carteira, segurando a régua como espada), de seus fichamentos de parágrafo (coisa que, vejam só, me é essencial hoje em dia), e dia ou outro era declamado um poema. Um belo dia, o poema escolhido foi o seguinte - e hei de escrevê-lo aqui da forma como lembro-me dele, sem copiar, e talvez com alguns erros: 

 - Vês? Ninguém assistiu ao formidável
 Enterro da tua última quimera.
 Somente a ingratidão - esta pantera -
 Foi tua companheira inseparável! 

 Acostuma-te à lama que te espera!
 O homem, que nesta Terra miserável,
 Mora entre feras, sente inevitável
 Necessidade de também ser fera.

 Toma um fósforo, acende teu cigarro.
 O beijo, amigo, é a véspera do escarro
 E a mão que afaga é a mesma que apedreja.

 Se alguém jaz inda pena à tua chaga,
 Apedreje esta mão vil que te afaga!
 E escarra nesta boca que te beija.

Creio que para os padrões de alunos da quinta série, eu era consideravelmente esforçado e até mesmo um pouco inteligente (e um pouco menos, ern, idiota, do que sou hoje). Tal poema, claro, despertou-me a atenção, mas muito mais pela ênfase dada e o jeito declamado do professor, pois não compreendia muito além do óbvio - "Acostuma-te à lama que te espera" parecia claro, mas apenas. Sucedeu-se que acabei decorando tais Versos, e um belo dia os declamei ao lado do sr. Everson. Como podem imaginar, foi, para a minha pessoa, memorável. 

Depois de muito tempo, sem ter esquecido o poema (juro; "Versos Íntimos", o poema supracitado, é meu amigo desde aquele longínqua época), estudei então seu autor. Augusto dos Anjos. Logo criei voracidade para aprender mais sobre ele. Sou, particularmente, pessimista, e a visão de mundo do poeta embelezava a minha mesma - compreendia agora melhor os Versos, e muitos outros. Comprei "Eu e Outras Poesias" quase imediatamente. E, sem pânico: Mas se não fosse esse livro, eu não seria dado à leitura hoje em dia. 

Ao ver a ligação de Augusto dos Anjos com a escrita pessimista e profunda de Schopenhauer, por exemplo, emudecia-me às palavras do autor. "Psicologia de Um Vencido", provavelmente o segundo poema mais famoso do brasileiro, é de tal competência geral e precisão ao meu próprio modo de ver a vida que foi logo rapidamente memorizado também; segue-se:

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente causa-me repugnância.
Sobe-me à boca uma ânsia, análoga à ânsia,
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme, este operário das ruínas
Que o sangue podre das carnificinas come,
e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar-me os olhos para roê-los
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra.

Que conclusões, fora seu evidente pessimismo, podemos tirar da pessoa do poeta a partir dessas duas obras-primas? Augusto dos Anjos vivia no contrário da utopia que muitos almejam: A vida era, para ele, uma distopia. Enquanto não necessariamente era um homem apático, o era certamente à questão não mais intrínseca do seu ser. Em outras palavras, era egocêntrico - e assumido. Dos Anjos encontrava na poesia o lirismo necessário à sua dor, como tanto acontece; Mas ao invés de romantizá-la, dramatiza-a como sendo a realidade vilã, e não ele mesmo, sendo ele corrompido por esse vilanismo. 

É digno de nota que Augusto dos Anjos foi excomungado. 
Também nota-se que a gigantesca maioria de seus poemas (salvo, caso eu não me engane, algumas exceções) são escritas no mesmo formato (ABBA-ABBA-CCD-CCD).

Como é maravilhosa a poesia lúgrebe deste homem! Encantam os versos por conter tanto em tão pouco. 14 linhas de texto que dizem mais que meu texto inteiro. Tal é o poder da palavra bem empregada. Tal é o sentimento dado pelo eu-lírico. 

Fiquem agora com uma não tão conhecida, referente à sua excomunhão: 

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a Dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.


Da Igreja- A Grande Mãe- o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés de Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel que me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva para morrer na terra,
Não sei morra pra viver no Céu.



Não sei se tenho direito de acrescentar mais uma palavra à esta postagem que não meu habitual boa noite.

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