terça-feira, 3 de março de 2015

Sobre você mesmo

Eu sei. Um texto de autoajuda na internet é tão vazio quanto uma garrafa de cerveja nas mãos certas. Você provavelmente já leu tantos que esse aqui vai ser só uma passada-de-olhos, não uma própria leitura; mas não tem problema. Na verdade, esse texto não é sobre você – é sobre mim. Mas perceberemos que temos muitas coisas em comum, e talvez essa “solucionática” servirá também para você, caro interlocutor silencioso. Adiante...

É muito comum a nós, arrogantes membros da geração com menos presilhas civilizacionais e com o mundo na ponta dos dedos, que esse estado líquido que temos em relação ao universo seja voltado, também, a nós mesmos. Não raramente, observamos jovens descontentes pois não conseguem “se encontrar”; ou seja, não conseguem firmar suas próprias personalidades dentro deste mundo multicultural e invasivo, não conseguem construir-suas-casas-em-rocha (pois é, estou usando uma parábola recontada pelos seus pais para exemplificar; que exemplo de autor, n’é?) porque a rocha parece tão distante, e nós queremos tanto ser alguém...

Para mim, o problema inicial está nesse querer. “Querer” e “gostar” são palavras essenciais em qualquer pessoa do meio dos anos 90; não existe um futuro, não existe uma preparação, é só a soma do “querer” com o “gostar”. Com isso, sempre parece que estamos distante demais do que merecemos; é muito exigir que nosso “querer” e “gostar” sejam coisas construtivas. Pelo contrário, normalmente são destrutivas. Então ficamos nós com aquela cara de interrogação e pensando sobre “por que não deu certo?”, quando a resposta estaria na ponta da língua do seu avô se você perguntasse para ele: quantos quilômetros de “pé-no-chão” você andou para conseguir esse objetivo?


                                                         Sério, você não é especial.

Parece evidente que todo caminho exige sacrifícios. Quando paramos para pensar, é dolorosamente, ridiculamente óbvio. O que não é assim tão óbvio é que os sacrifícios que fazemos – ou devíamos fazer em prol de determinado objetivo – são também escolhas. Agora pasme – nós somos forçados a fazer coisas que não queremos, tampouco gostamos, se temos algo maior em mente. Não “estar afim”, ou não ter vontade de fazer alguma coisa, não é razão para que ela não seja feita, se quisermos uma estabilidade futura. É por isso que acostumar com o gosto amargo da decepção é uma boa escolha; muitos dos caminhos que tomaremos será infrutífero, circular, frustrante.  Infelizmente nós não vemos a faca quando damos murros nela, e não há antídoto para isso.

É fato que colecionam-se mentes brilhantes no mundo. Não temos mais um Einstein, temos centenas; mas, junto com esse brilhantismo todo, observamos um súbito aumento de doenças psicológicas, depressão e coisas do tipo. Uma explicação superficial me convence: As pessoas, por serem desgraçadamente inteligentes e terem muito acesso às coisas – e portanto acostumadas com certo nível de sucesso – desaprendem a perder. Desaprendem a abaixar a cabeça quando algo dá errado, desaprendem a recomeçar. Funcionamos em uma velocidade tão alta, tão diferente do resto das pessoas (os “coroas”, palavra que, por alguma razão, nunca saiu de moda) que ficamos incompreensíveis, contraditórios; e não importa quanta tecnologia tenhamos, simplesmente não podemos dar um passo maior que a perna e entendermos algo que não dá para entender.

É por isso, na minha visão, que as pessoas “se perdem de si mesmas”. É por isso que tanta gente cruza os braços, no meio de uma situação eufórica, sentindo, na verdade, frustração. Mas há algumas vantagens em estar perdido; a primeira coisa é que, quando nos tocamos de que algo está errado, podemos começar a buscar soluções. Não há nada melhor para um ego ferido do que resolver seus próprios problemas – já percebeu que tudo que você ainda não conseguiu fazer parece intransponível? E então, quando você efetivamente resolve algo impossível, não há como não se sentir bem. Por isso, a primeira coisa que deve ser perguntada é: Eu tenho um problema? Como resolvê-lo?

A arte de empurrar com a barriga, conhecida popularmente como “procrastinação”, que  é outra palavra que entrou em moda, é também um passo certo para a frustração. Resolvemos o que nós quisermos em cinco segundos – muitas vezes literalmente, mas ainda reclamamos da burocracia do Governo ou do maldito site que caiu – e portanto a noção de “compromisso” e “prazo” fica muito decantada. Com efeito, é notoriamente claro que se você demorar muito para fazer algo, esse algo tende a crescer e complicar, tornando-se mais difícil a cada segundo perdido. Se você não dispõe de cinco para fazer uma coisa “porque não quer”, precisará dispor de bem mais do que isso quando for “obrigatório”.

A conclusão é que temos dezenas de jovens inteligentes, porém pouquíssimos producentes e menos ainda competentes. Todas as noções são tão fáceis que até eu, um exato e perfeito exemplo do que descrevi no texto, as conheço. Mas a inaptidão mental é tão complicada que reafirmo: conhecer a teoria é uma coisa. Fazer é que são elas!

6 comentários:

Alexandre disse...

É a triste verdade que muitos de nós sabemos mas não fazemos nada a respeito. Bom texto.

Anônimo disse...

Cara vc é foda, texto genial.

Anônimo disse...

Tapa na cara de todo mundo, nao so dos anos 90, e acho que até de vc mesmo. Legal ver sua consciência, quem te acompanha sabe dos seus problemas que n estão listados aqui. Parabéns.

Pedro disse...

maravilhoso!

chuvadameianoite disse...

"É por isso que acostumar com o gosto amargo da decepção é uma boa escolha; muitos dos caminhos que tomaremos será infrutífero, circular, frustrante. Infelizmente nós não vemos a faca quando damos murros nela, e não há antídoto para isso."

Sabe, acho que esse é um dos meus maiores medos. Meu maior problema nunca foi a procrastinação, mas justamento o contrário: ir seguindo de desafio a desafio (se é que posso chamar assim), sempre para o próximo passo, me afogando em uma rotina maluca, até mesmo acabando comigo física e psicologicamente no processo, sem ter certeza se realmente quero chegar àquele lugar para onde caminho com tanto afinco. Mas não sei para onde mais iria, se não fosse lá, e ficar parada me deixa angustiada, então continuo, esperando que no final tudo dê certo. Seu texto me fez refletir sobre isso.

Enfim, ótimo texto. Você escreve cada vez melhor. Fico feliz que o direito não tenha te estragado haha. <3

Felipe Cezar disse...

Caramba, escrevi recentemente sobre o tema, mas esse texto organizou de uma forma muito mais concreta. Um tapa na cara diário que toda a nossa geração precisa. E a sua contraposição de inteligência com competência não podia ser mais apropriada.

Mas o pior é que estamos gerando seres cada vez mais conscientes da própria inteligência, tão conscientes que até se cegam quanto a isso, quando o ego os coloca acima das suas capacidades. Resultado: gente com medo das próprias críticas. Autoconsciência paralítica.

Ganhou mais um leitor, abraço.